sábado, 8 de fevereiro de 2020

Capítulo 2



   Era dia de reunião na escola Judith Butler e Michael estava sentado a mesa com seus colegas de trabalho, os relatórios das classes foram discutidos, e agora falavam do financeiro. Carmem, a diretora, estava sentada na cabeceira, ladeada pelos coordenadores, Jualiano e Marye, ela deu uma pequena pilha de pastas finas para eles, que redistribuiram para os outros professoras à mesa.
- Temos que pensar nas reformas que precisamos fazer durante as férias. Não podemos gastar muito dinheiro com a formatura, esse ano temos quatro turmas de 25 alunos formando... Nós do conselho decidimos pedir uma colaboração aos pais, que não vai ser alta, mas a soma vai ajudar no orçamento. 
     Os professores leram as páginas do orçamento da reforma e da formatura, todos concordaram com os planos, e assim foram encarregados de explicar aos alunos como seria organizada a cerimônia.
- Temos três meses até o encerramento do ano letivo, e mais uma semana até a formatura, então já vou marcar a reunião com os pais para a próxima segunda-feira. Vocês têm alguma sugestão sobre algo?
- Dá pra fazer o bolo de outro sabor esse ano? Não aguento mais baunilha e frutas! - Disse Gleyce, a professora de Geografia. Ouviram-se risadas em concordância.
- Podia ser chocolate com morangos! - Gabriel, o professor de educação física sugeriu.
- Okay, essa parte vocês resolvem! - Disse Carmem, brincalhona, mas ansiosa para terminar a reunião. 
- A feira no final da cerimônia, será possível? Enviei o relatório dos materiais que temos há uns dois dias... - Judith, professora de artes, disse erguendo a pasta em sua mão.
- Ah, claro!  - Juliano, o coordenador exclamou. - Achamos uma ótima ideia, poderemos arrecadar algum dinheiro e será uma atração para os familiares.
- Ouvi umas alunas falarem sobre competição de dança... - Michael se pronunciou, finalmente. -        Todos olharam para ele. 
- Sim, estamos organizando como vai ser. - Disse Gabriel, o de educação física.
- Os alunos pareciam muito agitados com isso, espero que não os atrapalhem nos testes finais. Muitos vão prestar vestibular logo após a semana de provas. - Michael ergueu as sobrancelhas, fazendo um gesto preocupado com as mãos.
- É, Gabriel, isso não pode tirar o foco dos alunos. - Disse Carmem, séria.
- Podem ficar tranquilos, os treinos serão feitos nos horários das minhas aulas e eles estarão livres um mês antes dos exames. - Olhou para Michael por mais tempo que o necessário, e então para Carmem.
- Ok, então, pessoal. Alguém quer dizer mais alguma coisa? Acabamos por hoje então.
     Michael permaneceu na sala por um tempo conversando com os outros professores. O clima estava se encaminhando para o ritmo agitado de final de ano e ele sentiu como se estivesse perto de uma grande mudança em sua vida. Sensação muito prematura, uma vez que ainda faltavam quatro meses para o final do ano. 
     Deve ser por causa dos últimos eventos, ele pensou, ao deixar a sala dos professores e caminhar até o estacionamento. Era estranho estar tão próximo de sua mãe novamente, ele sempre ia visitá-la em domingos alternados, mas agora ela estava morando no mesmo bairro que ele, e de alguma forma isso era estranho. Não porque eu não queira minha mãe por perto, mas está errado, ela devia estar com meu pai na casa deles... Mas ele já não está em lugar algum.
- Oi, Michael! 
     Ele virou o rosto em direção ao som da voz. - Oi, Daniela. Tudo bem? Ainda está por aqui?
     Daniela estava  sentada em um banco um pouco a diante. - É, eu e as meninas estamos estudando na biblioteca. Tô esperando o almoço chegar pelo Ifood. O refeitório parou por hoje...
   Ela tinha o cabelo ondulado cheio e os lábios rosados, olhou para ele diretamente nos olhos, sorrindo discretamente. Parecia constrangida, mas não desviava o rosto.
- Ah, sim. Bom estudo, então.  - Michael sorriu. Daniela sentiu um forte aperto na garganta e o coração acelerar drasticamente, deixando-a sem ar. Os olhos escuros dele percorreram seu rosto e ela se perguntou se ele a estava achando bonita, se ele a achava atraente, se ele estava flertando com ela. Não, ele nem falou nada demais. Eu sou louca, estou louca. Meu Deus, olha esses olhos, senhor, essa boca... 
- Obrigada! - Ela disse rapidamente, desesperada por segurá-lo ali por mais tempo. - Vou tentar adiantar seu trabalho hoje também, assim posso tirar dúvidas com você com mais calma. Gostaria de ter mais tempo para revisar algumas coisas do semestre passado para o vestibular.
- Claro, boa ideia. Se tiver feito algo até quarta, fala comigo depois da aula.
- Tá! - Ela sorriu de lábios fechados, os olhos brilhando. Michael deu um sorriso aberto, com um riso leve, e acenou. - Tchau.
- Tchau... Daniela voltou a sentar no banco, se contorcendo por dentro. Ela observou ele caminhar a passos largos até seu carro preto no estacionamento logo adiante, e lágrimas brotaram de seus olhos.

                                                          ~ ❄️~






sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Capítulo 1

   


     Os olhos castanhos escuros encaravam o relógio alguns metros a sua frente, faltavam vinte e três minutos para a aula acabar e ele estava se controlando para não interromper os alunos que faziam o exercício, anunciando o fim da aula antes da hora. A escola tinha políticas muito rígidas e claras, a pontualidade e ética eram ressaltadas com frequência em todas as reuniões e conselhos. Não era por isso, no entanto, que ele não liberava os alunos mais cedo. Apesar de precisar sair sem demora, o que o mais incomodava era a menina que não tirava os olhos dele. Ele não podia transparecer que percebia, e muito menos que era atingido por suas provocações.
     Daniela o encarava com olhos de navalha, percorria seus ombros e peito com um olhar de febre e fome. Ela se inclinava levemente sobre a carteira, com o rosto um pouco inclinado para o lado, cada movimento era como em câmera lenta, fingindo ser dispretencioso, mas intoxicado de intensões lacivas. Ela levava o dedo à boca, roia de leve uma unha... Mordia a ponta de um lápis... colocava uma mecha de cabelo para trás... Com o rosto meio virado de lado, mostrando um ângulo perfeito de seu máxilar e nariz, escrevia pestanejando de leve com cílios compridos.
     Dez minutos para o meio-dia; os olhos castanhos se distraíram com pequenos flocos de neve que começaram a cair do lado de fora da janela. Os dedos tamborilaram no tampo da mesa, Michael suspirou e começou a guardar seu material, vestiu o sobretudo, e anunciou o fim da aula sem olhar relógio. Ele saiu imediatamente, deixando o ruído de cadeiras sendo arrastadas e alunos agitados para trás.
     Do lado de fora, a neve aumentava em densidade e o pátio branco foi imediatamente escurecido pelas roupas escuras das dezenas de alunos e professores. Michael caminhou pela neve calmamente, já não tinha tanta pressa, observou as árvores com folhagens douradas sendo cobertas de branco e alguns pássaros voando rápido para se abrigar da neve. Ele gostava muito desse clima, preferia, em vez do extremo calor de sua cidade natal.
     Há cinco anos ele se mudara para Lioha, após concluir o mestrado em Ciências Matemáticas, havia sido aprovado em concurso para uma universidade, mas estava farto do meio acadêmico e, por ora, queria uma vida mais tranquila. Há cinco anos ele não pegava sol, há cinco anos ele havia terminado seu noivado e morava sozinho  em uma casa confortável perto de uma floresta e vivia uma vida tranquila e agradável próximo às montanhas. 
     Ele conseguiu pegar o trem das 12h10 e chegou na cidade vizinha, Zahar, em uma hora. Ao chegar no departamento financeiro do estado, estava na hora do almoço, teve, então, que esperar cerca de uma hora para ser antendido. Meia hora de atendimento depois, Michael parou para almoçar em um restaurante, e depois passou por algumas lojas pelo caminho de volta à estação de trem. Todos esses fatores o levaram até ela, dez minutos a mais ou a menos, e os caminhos dos dois não teriam se cruzado.
     Sentado à janela, Michael observava a fila para entrar no trem, ela se aproximou com andar confiante e duro, vestia um terninho cinza escuro e saltos pretos lustrosos. Michael se mexeu no banco, inclinando-se para a janela. A mulher usava o cabelo preso em um coque apertado e elegante, carregava uma bolsa marrom escuro e uma maleta. Ele não percebeu, mas seu coração batia erráticamente e sua respiração estava curta enquanto esperava para ver se ela viria para o memso vagão que ele. E ela veio.
     Michael pigarreou e se endireitou no banco, desviando brevemente para a janela e voltando o olhar para a mulher, que procurava um acento solitário próximo à janela. Encontrando, ela sentou a apenas poucos metros à frente dele. Michael a observou digitar no celular rapidamente por vários minutos, o trem deu a partida e ela finalmente ergueu o rosto. Ele se frustrou quando ela não o enxergou, a bela mulher fixou os olhos na janela e assim permaneceu por muito tempo. Michael aproveitou para observá-la mais de perto.
     Seu rosto tinha formato oval, as maçãs do rosto levemente altas, queixo delicado, porém levemente alongado, assim como seu nariz. Sua feição era séria, tinha sonbrancelhas grosas, ele podia ver como seus cílios eram longos e que o cabelo cor chocolate era cacheado, mesmo que esticado com gel. A pele bronzeada contrastava com o batom escuro e todos esses detalhes reviravam o peito dele com fascinação.
     Atordoado, Michael pegou o próprio celular e conferiu as redes sociais para se distrair. No decorrer da viagem, olhou pelo vagão algumas vezes e seu olhar cruzou com o dela, os dois se mantiveram sérios, observando a neve cair pela janela.
     Ao chegar na parada de Lioha, Michael levantou e seu dirigiu à saída. Uma pequena fila estava se formando quando ele a viu se levantar também. Nesse momento, ela dirigiu um olhar diretamente nos olhos dele. Michael correspondeu com igual intensidade, seus olhos castanhos escuros se fixaram nos dela, predendo-a como se a requisitasse. E ela sentiu um calor inflamar no seu peito e percorrer barriga abaixo em uma onda de atração intesa que a fez engolir em seco.
     Ele era alto, tinha um corpo extremamente elegante, magro de ombros largos e coxas grossas. Ele fez um gesto de leve com a cabeça, deixando-a passar a sua frente, ela sorriu, um sorriso aberto espontâneo que quebrou completamente sua seriedade por um momento, e tomou a sua frente na fila, sabendo que ele olharia para seu corpo por trás.
 - Qual é o seu nome? - Ele perguntou logo atrás dela, ao descerem do trem.
     Ela virou o rosto e observou seu rosto por um momento, o contraste de sua pele extremamente branca com o cabelo negro era lindo.
 - Boa tarde. - Ela respondeu sorrindo com os olhos, porém não mais com a boca. Olhando enviezado, observou que ele usava o cabelo aparado na nuca e um pouco comprido no topo, repartido de lado, as mechas balançavam com o andar. E ele tinha um leve sorriso nos lábios, seguro de que ela responderia, caminhava ao seu lado. - Me chamo Cristina. E você? - Fez um movimento com o ombro, aproximando-o do queixo, em um gesto de superioridade e sensualidade. Olhava para ele de baixo para cima, pestanejou rapidamente e voltou a erguer o queixo e olhar a frente.
- Meu nome é Michael. - Ele disse.
- Michael... Para onde está indo?
- Para casa. Moro próximo daqui, e você?
- Moro muito longe, vim a trabalho.
- Se puder, não volte tão tarde, há perigo de nevasca esta noite. - O tom dele era sério, e nessa frase mais longa de advertência, ela percebeu que o timbre da voz dele era muito bonito. Os dois pararam em uma faixa de pedestres e aguardaram o sinal fechar.
- Não pretendo demorar mais que o necessário. Obrigada pelo aviso. - Ela não conseguia para de olhar para os ombros largos dele, e os olhos que percorriam seu rosto a constragiam, eram intensos demais, desviava olhando à frente. Mas voltava a olhar para ele, e ele sorria com os olhos de café, mornos, doces, diretamente para ela.
- Por nada. - Ele fez um gesto com a cabeça, sério novamente. O sinal abriu para eles, e os dois atravessaram afastando-se um do outro. Ela andava rápido, decidida, mas os passos dele eram largos, ele a ultrapassou e parou diante de seu carro, estacionado em frente a um café.
- Já vai embora? - A voz dela soou atrás dele. Michael ergueu o rosto e sorriu mordendo de leve o lábio inferior.
- Quer tomar uma café? - Abriu a porta do carro e guardou suas coisas calmamente. Cristina estava de pé diante dele. - Claro.
- Depois posso te dar uma carona... - Michael estendeu a mão para pegar a maleta dela. Cristina o encarou por um instante e então o entregou a maleta, ele a aguardou no banco do carona, e os dois entraram no café.

❄️~


Michael tirou os sapatos no capacho da porta dos fundos e entrou em sua cozinha, acendeu a luz e jogou as chaves sobre a bancada após trancar a porta. Lavou as mãos na pia e colocou um bule de água para ferver, ligou o aquecedor e tirou o sobretudo, com o celular na mão, olhou o número de Cristina salvo. Ele sorriu ao lembrar de sua conversa no café, mas em seguida lembrou de suas obrigações e mudou o número para o de sua mãe. Pegou macarrão no ármario e alguns igrediente para sopa na geladeira enquanto esperava a mãe atender a chamada.
- Oi, filho.
- Oi, mãe. Como a senhora está? - Ele parou e apoiou na pia, olhando através da janela.
- Bem, na medida do possível, meu filho. Estou bem. E você, já está em casa?
- Sim, sim.
- Como foi lá? Conseguiu dar entrada no processo? Falou com o encarregado?
- Sim, ocorreu tudo bem. Entreguei os documentos, está tudo em ordem. Eles vão dar entrada no processo amanhã cedo e nos ligarão pra informar o andamento. Me disseram que não deve demroar para liberarem a venda da casa e a pensão deve ser autorizada em seguida.
- Tá ok, Michael. Muito obrigada, não sei o que eu faria sem sua ajuda!
- Por nada, mãe...  Como estão as coisas aí?
- Tudo tranquilo, não se preocupe.Vou fazer um bolo agora para levar para a igreja. Depois nos falamos, querido. Se cuida.
- Ok, mãe. Beijo.
- Um beijo, tchau...
Michael largou o celular sobre a mesa, ligou a televisão no jornal e começou a cortar alguns legumes. As notícias eram de que algumas ruas foram fechadas por precausão devido ao volume da neve e que no dia seguinte a previsão era de - 5ºC. Ele deixou a panela fervendo e foi tomar banho, comeu algumas canecas de sopa enquanto estudava e preparava a aula do dia seguinte. Antes de dormir, conferiu o celular. Havia uma mensagem de Cristina, enviada duas horas atrás.
"Consegui chegar em casa agora! A estrada foi fechada pouco depois que cheguei."
"Fico feliz que tenha conseguido escapar e chegar bem. Como foi a negociação?" Ele enviou, e ela levou apenas poucos minutos para responder;
"Obrigada. Avançamos um passo hoje. O proprietário da vila subiu cinco mil na oferta e estabeleceu um prazo de aviso prévio aos inquilinos de seis meses, o que o comprador vai achar muito, mas sei que vamos conseguir diminuir. Vou propor subir mais três mil para diminuir esse tempo."
"Acredito que você vai convecê-los."
"Sim, eu vou. Você chegou bem em casa?"
"Sim. Cheguei a tempo de preparar a aula de amanhã."
"Que bom! Eu estou terminando de fazer uma planilhas... Liga pra mim."
E ele ligou.
No café, ela contou que era contadora de uma imobiliária, morava sozinha em uma cidade que ficava a duas horas dali, Deher. Tinha uma gata chamada Liz, gostava de esportes, praticava corrida e viajava com frequência a trabalho e a lazer. Michael cedeu as mesmas informações básicas, mestre em Ciências Matemáticas, professor, morava sozinho, lia muito, também caminhava e gostava de acampar nas montanhas próximas a sua casa.
- Oi... - ela sussurrou ao atender a chamada.
- Oi. - Michael desejou que ela estivesse ali ao seu lado, queria sentir seu corpo.
- Está muito frio aí? - ela falava baixinho.
- Nem tanto - ele sorriu de leve.
Ela pôde ouvir o sorriso na voz dele e deu uma risada.
- É, aqui também... - Ela suspirou. Visualizava seu rosto em sua mente; os olhos castanhos grandes, o rosto em formato de diamente, sobrancelhas arqueadas e o sorriso de lábios avermelhados úmidos... - Talvez eu não consiga ir a Lioha essa semana.
- Me avisa quando vier.
- Sim.
Os dois ficaram em silêncio por um instante.
- Boa noite, Cristina.
- Boa noite, Michael.

~❄️~

Capítulo 2

   Era dia de reunião na escola Judith Butler e Michael estava sentado a mesa com seus colegas de trabalho, os relatórios das classes f...